Noite de um janeiro qualquer. Verão. Calor. Ele estava sentado sobre uma bancada de pedra, em uma praça perto de casa, em uma cidadezinha no interior de Minas Gerais. 25 anos. Apesar de a adolescência já ter ficado para trás há algum tempo, o visual não mudara muito: cabelo mal penteado, um All-Star clássico preto e branco, uma calça jeans azul e uma camisa preta com uma estampa de Star Wars. A iluminação era composta por pequenos postes, que coloriam (ou tentavam colorir) o local com uma luz fraca, amarela e cansada. Eles eram espalhados de tal forma que, perto deles, conseguia-se ver razoavelmente bem. Nos espaços mais afastados, entretanto, a escuridão tomava conta.
Seus amigos divertiam-se por entre essas luzes, oscilando entre jovens sorridentes com aproximadamente a mesma idade, e nada além de vultos mal iluminados. Conversavam, bebiam, gargalhavam, bebiam mais. Milhares de conversas e vozes em paralelo, nenhuma das quais se cruzava com sua atenção. Pensava em como poderia estar em casa a uma hora dessas, lendo, jogando video game, escrevendo, ou fazendo qualquer outra coisa normalmente melhor feita com a calma e o silêncio, melhores companheiras dos introvertidos. Entediado, passava o dedo pelo smartphone, lendo notícias aleatórias e desinteressantes e, sem querer, deixando que a luz vinda daquela pequena tela destacasse seu rosto em meio ao ambiente mal iluminado.
De repente, um dos vultos se aproxima dele. Senta-se delicadamente na extremidade oposta do banco em que ele estava. A luz do poste batia bem naquele ponto, e foi assim que ele a viu. Cabelos à altura dos ombros, vermelhos. Olhos negros como duas jaboticabas. Pele pálida. Usava um vestido curto, desses que meninas usam no verão. Era da cor palha, estampado com pequenas flores coloridas. Na ponta dos pés, sandálias. Olhava para o smartphone em suas mãos, de onde o cabo dos fones de ouvido escorria até a altura da cintura, somente para logo em seguida voltar a subir, se dividindo em dois e terminando nas extremidades encaixadas nos ouvidos.
Citando um filme antigo, “They say when you meet the love of your life, time stops, and that’s true. What they don’t tell you is that when it starts again, it moves extra fast to catch up.”. E foi assim que aconteceu. Ele ficou alguns segundos observando aquela cena. Segundos esses que, em sua cabeça, passaram-se como horas. Nesse momento, em que o tempo estava parado, escreveu mil histórias de amor. Todas com começo, meio e final feliz. Todas clichês. Logo em seguida, um click, e o tempo despausou. A realidade caiu sobre ele como uma bigorna, bem pesada, dessas de desenho animado: era só uma garota qualquer. Contos de fada não existem. E por que, afinal, uma garota tão linda se interessaria por um cara como ele? Não se considerava um rapaz feio, mas também longe de ser bonito. Não era particularmente alto, forte, engraçado ou inteligente. Era só... normal. Não se destacava. Just another average guy. Além disso, havia o fato de que ela estava usando fones de ouvido, em meio àquele emaranhado de pessoas conversando. Sinal de que, claramente, estava ouvindo música e não queria ser incomodada.
Sacudiu a cabeça, escapando daquele turbilhão de pensamentos, olhou para outra direção, suspirou e disse:
- Se pelo menos você não estivesse de fones de ouvido, eu perguntaria seu nome.
Ainda sentado, inclinou-se sobre os joelhos e olhou pra seu par de All-Stars sujos no chão. Foi aí então que, da outra ponta do banco em que estava, veio uma voz:
- Os fones estão desligados.
"Rodopiando no salão, os dois parecem um casal,
mas é mentira.
(...)
Na vida real, você é quem enlouquece.
Apaga a última luz,
e nos cantos do seu quarto
a figura dela fosforesce
ao som do último blues
na rádio cabeça."
― Chico Buarque (O Último Blues)